Estudo feito pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e a Associação Médica Brasileira (AMB) mostra que há desproporção entre o crescimento da população e o número de médicos, além de má distribuição regional de profissionais, concentração em poucas capitais, e distribuição insuficiente e desigual de especialistas.
Segundo a atualização do estudo Demografia Médica no Brasil 2023, tendo como base dados do Censo de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há 1,58 médico especialista por 1.000 habitantes, considerando profissionais titulados em pelo menos uma das 55 especialidades médicas reconhecidas e a população.
Em todas as especialidades existe desigualdade de distribuição entre os estados, mas algumas estão concentradas em poucos estados, como é o caso de cirurgiões. No Pará, por exemplo, são 0,46 por 100 mil habitantes, seis vezes menos do que no Distrito Federal (60,84).
O número de anestesiologistas no Maranhão (4,40 por 100 mil) é cinco vezes menor do que no Rio de Janeiro (22,54 por 100 mil). A média nacional de Medicina de Família e Comunidade, uma das especialidades nos serviços de Atenção Primária, é de apenas 5,54 para 100 mil habitantes, sendo que 15 estados estão abaixo dela.
De acordo com o coordenador do estudo e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Mário Scheffer, consideramos os 545 mil médicos no Brasil, mas desses, 192.6 mil, quase 38%, são aqueles que não têm especialidade médica, os chamados generalistas. “São médicos que concluem a graduação e não se tornam especialistas. Assim, os demais 321,5 mil médicos são especialistas, e essa distribuição é mais concentrada e mais desigual do que entre os médicos em geral”.
Scheffer destacou que ao analisar a evolução nacional da taxa de estudantes de medicina por 1.000 habitantes, comparada à taxa de médicos cursando residência médica (RM) por 1.000 habitantes, percebe-se a defasagem entre a oferta do ensino de graduação (1,05 estudante por 1.000 habitantes em 2021) e a oferta da formação especializada (0,21 médico residente por 1.000 habitantes). A RM é a principal modalidade para formar especialistas.
Segundo os dados, de 2015 a 2023 houve aumento de 57% na oferta de vagas de residência médica no Brasil, passando de 29.696 para 46.610 vagas, mas a disponibilidade de vagas de primeiro ano de residência não tem sido suficiente para acompanhar o aumento do número de médicos graduados.
“Esse é dado importante, porque alerta para o fato de que, enquanto temos um aumento muito grande de estudantes de medicina, devido à abertura de cursos e vagas de medicina, temos um certo congelamento da capacidade do país de formar especialistas via residência médica.”
Alerta
O professor ressaltou ainda que surgem duas questões: a má distribuição dos especialistas e o alerta para o futuro, pois caso o ritmo se mantenha, com abertura de escolas de medicina sem o aumento da especialização, em curto prazo haverá também a falta de especialistas.
“Temos assistido o envelhecimento da população e maior demanda por médicos especialistas. A população com mais de 60 anos será de mais de 36 milhões de pessoas em 2025, segundo o IBGE e, com isso, teremos aumento das doenças crônicas não transmissíveis que as maiores causas de adoecimento e morte.”
Além disso, ele lembrou que duas políticas de saúde pública recentes, do governo federal, também demandam maior número de especialistas, como o Programa Nacional de Redução das Filas de Cirurgias Eletivas, Exames Complementares e Consultas Especializadas (PNRF) e política de Atenção Primária à Saúde. “
Levantamento
O estudo mostra aque o Brasil tem 545.7671 médicos para um total de 203.062.512 habitantes. A razão, portanto, é de 2,69 profissionais de medicina por 1.000 cidadãos. De acordo com o IBGE, a população brasileira cresceu 291%, de 51,9 milhões de habitantes em 1950 para 203 milhões em 2022. No mesmo período, o número de médicos saltou de 22,7 mil para 545,7 mil, o que representa um crescimento de 2.301%. Segundo os dados, 70% de médicos estão concentrados onde vivem menos de 30% da população.
No intervalo entre os dois censos mais recentes, o crescimento da população brasileira desacelerou em relação a contagens anteriores, aumentando 6,5%, um acréscimo de 12,3 milhões de habitantes em 12 anos. Já a população de médicos, no mesmo período, cresceu 70,3%, um aumento de 225.290 profissionais em 12 anos. O crescimento está relacionado à grande abertura de cursos e vagas de graduação em medicina.
De acordo com o levantamento, quando considerados os 2,69 médicos por 1.000 habitantes no país, duas regiões estão abaixo da média nacional: o Norte, com 1,65, e o Nordeste, com 2,09. O Sudeste tem a maior densidade médica (3,62), seguido de Centro-Oeste (3,28) e da região Sul (3,12). E ainda é possível notar que, enquanto o Distrito Federal tem seis médicos por 1.000 habitantes, o Maranhão tem apenas um.
O levantamento aponta ainda que a desigualdade na distribuição de médicos no Brasil fica ainda mais evidente no agrupamento de municípios, segundo estratos populacionais e com base no Censo 2022 do IBGE. Entre os 5.570 municípios do país, 3.861 (69,3%) têm até 20 mil habitantes. Juntas, essas cidades têm cerca de 31,9 milhões de habitantes ou 15,8% da população brasileira. Nesse mesmo conjunto estão apenas 16,7 mil médicos, ou 2,8% do total de profissionais do país. Inversamente, nas 41 cidades com mais de 500 mil habitantes, onde vivem 29% da população nacional, estão concentrados 61,5% dos médicos. As 319 cidades com mais de 100 mil habitantes concentram 57% dos habitantes e 85,5% dos médicos do país.
Nove capitais – Salvador, Natal, Belém, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Vitória e Fortaleza) – tiveram retração populacional nos últimos 12 anos, segundo o Censo 2022. Nas demais capitais, a população aumentou, com os maiores crescimentos registrados em Palmas, Florianópolis, Cuiabá, João Pessoa e Manaus. Assim, houve alterações na taxa de médicos por habitantes em relação à edição anterior do estudo Demografia Médica no Brasil. Florianópolis registra quase dois médicos por 1.000 habitantes a menos. A taxa também diminuiu em Cuiabá e São Luiz.
Vitória, que já era a capital brasileira com maior densidade médica, tem agora 18,14 médicos por 1.000 habitantes, um acréscimo de 3,65 após o ajuste populacional.
A capital do Espírito Santo é seguida por Porto Alegre, Florianópolis, Belo Horizonte e Recife, todas com mais de oito profissionais por 1.000 habitantes. No outro extremo das capitais, com menos de três médicos por 1.000 habitantes, estão Macapá (2,21), Boa Vista (2,68) e Manaus (2,77).
Agência Brasil