A proposta do governo federal apresentada pela AGU (Advocacia-Geral da União) na ação que discute a correção do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) no STF (Supremo Tribunal Federal) poderá trazer prejuízos aos trabalhadores.
O Planalto propõe pagar remuneração de ao menos a inflação sobre o saldo do trabalhador no Fundo de Garantia. Hoje, a rentabilidade é de 3% ao ano mais TR (Taxa Referencial). A diferença para menos ocorreria em épocas de queda da inflação.
Cálculos feitos a pedido da reportagem pelo planejador financeiro Marlon Glaciano, especialista em finanças, mostra que os valores variam conforme o montante que o trabalhador tem no fundo. Quanto maior o total, maior a perda.
Para um saldo de R$ 1.000, por exemplo, a correção atual renderia R$ 43,70. Pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que é a inflação oficial do país, o rendimento seria de R$ 39,30, o que dá 4,40 a menos em um ano.
Quem tem R$ 100 mil no FGTS, por exemplo, receberia R$ 440 a menos ao longo de um ano. Para saldo de R$ 500 mil, seriam R$ 2.200.
Glaciano afirma que se essa for mesmo a meta do governo, é preciso analisar se vale a mesmo a pena mudar a correção do fundo. “Será que vale mesmo esta alteração? E, se sim, seriam necessárias novas variáveis nesse cálculo, pois tão somente a inflação não será suficiente para rentabilizar mais o FGTS”, afirma.
A crítica também é feita por Mario Avelino, presidente do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador. Segundo ele, a ADI 5.090, que está no Supremo, pede para que a TR (Taxa Referencial) seja declarada inconstitucional e afastada, sendo indicado um índice de inflação para correção do fundo.
“Não é pegar e dizer que o Fundo de Garantia tem que render no mínimo a inflação, senão o trabalhador não ganha nada. Ou seja, ele tem uma poupança que o governo aplica socialmente -que eu não vejo problema nenhum-, mas não rende nada. Simplesmente reportar a inflação é trocar seis por meia dúzia.
Avelino lembra que o Fundo de Garantia é a poupança do trabalhador, que não vem sendo remunerada adequadamente, trazendo perdas.
“A inflação não é ganho. Corrigir a perda gerada pela inflação para manter o poder de compra da poupança não é ganho. O ganho é uma taxa de juros”, diz Avelino.
O caso está parado no Supremo, à espera de julgamento. Chegou a entrar na pauta de 4 de abril, mas foi retirado. No ano passado, o ministro relator do caso, Luís Roberto Barroso, propôs como correção do FGTS no mínimo a remuneração da poupança, que rende 6% ao ano mais TR, conforme a variação da taxa de juros.
O governo propõe remunerar o fundo pela TR + 3% ao mês e distribuir o lucro -o que já ocorre- garantindo no mínimo a inflação. O índice não foi divulgado, se IPCA ou INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que reajusta salários.
É uma ação judicial na qual se questiona a constitucionalidade da correção do dinheiro depositado no Fundo de Garantia. Hoje, o retorno do FGTS é de 3% ao ano mais a TR, que rende próxima de zero. Com isso, a atualização do dinheiro fica abaixo da inflação, deixando de repor as perdas do trabalhador.
Desde 1999, quando houve modificação no cálculo da TR, os trabalhadores acumulam perdas.
A TR, usada para corrigir o dinheiro do fundo, tem rendimento muito baixo, próximo de zero, fazendo com que os trabalhadores não consigam repor seu poder de compra com o saldo do dinheiro do FGTS. Diversos cálculos apontam perdas que vão de 24% nos últimos dez anos a até 194% para quem tem valores no fundo desde 1999.
Em 2014, data do início da ação, estudo da Força Sindical mostrou que um trabalhador que tinha R$ 1.000 no ano de 1999 no Fundo de Garantia tinha, em 2013, R$ 1.340,47. Se fosse considerada a inflação medida pelo INPC, usado na correção de salários, o valor deveria ser de R$ 2.586,44, uma diferença de R$ 1.245,97.
Na defesa da correção maior, especialistas alegam que o dinheiro do FGTS é renda proveniente do salário e não pode trazer perdas, pois não se trata de um investimento.
O FGTS funciona como uma poupança para o trabalhador. O fundo foi criado em 1966, com o fim da estabilidade no emprego, e passou a valer a partir de 1967. Todo mês o empregador deposita 8% sobre o salário do funcionário em uma conta aberta para aquele emprego.
Há ainda a multa de 40% sobre o FGTS caso o trabalhador seja demitido sem justa causa. Desde a reforma trabalhista de 2017, há também a possibilidade de sacar 20% da multa após acordo com o empregador na demissão.
Todo trabalhador com carteira assinada deve ter o FGTS depositado, o que inclui, atualmente, as empregadas domésticas. Até 2015, não havia direito ao FGTS por parte das domésticas. A PEC das Domésticas, porém, trouxe essa possibilidade em 2013, mas a lei que regulamentou a medida e possibilitou os depósitos dos valores por parte dos empregadores passou a valer apenas dois anos depois.
Folha de S. Paulo