O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com pedido de indenização por danos morais coletivos contra a União, a Fundação Palmares, e dois envolvidos na tortura de um quilombola em Portalegre (RN), em 2021. O MPF também cobra a adoção de medidas preventivas contra o racismo estrutural por parte da União, do município e do Estado do Rio Grande do Norte.
De acordo com as ações, houve omissão e “vácuo institucional” da União e da Fundação Palmares ao não adotar ações de proteção das comunidades quilombolas locais e não promover educação e conscientização da população, o que teria contribuído diretamente para a tortura sofrida pelo jovem quilombola e também para a manutenção do quadro de racismo estrutural no Brasil. O MPF pede indenização por danos morais coletivos de R$ 2 milhões a ser dividida entre a União, a Fundação e os dois homens que cometeram as agressões à vítima.
Agentes influenciadores
Duas ações civis públicas foram instauradas. Uma delas aponta a possível responsabilidade de Jair Bolsonaro e Sérgio Camargo, respectivamente, ex-presidentes da República e da Fundação Palmares. O procurador da República Emanuel Ferreira, autor das ações, destacou uma série de discursos e “fatos públicos e notórios” dos dois agentes, lembrando que “não se pode negar o poder que tal discurso ostenta no imaginário de seus liderados”. Para ele, é preciso adotar firme interpretação em prol de um nexo de causalidade capaz de, efetivamente, inibir a propagação oficial do racismo. A responsabilidade desses “agentes influenciadores” é, ainda, atestada em parecer técnico de perícia antropológica do MPF.
Na outra ACP, o MPF cobra a adoção de atos institucionais e pedagógicos preventivos de enfrentamento da discriminação racial e do racismo estrutural, a serem promovidos pela União, pelo estado do RN e pelo município de Portalegre. Essas iniciativas devem envolver a assistência, educação e memória em direitos humanos, como a promoção de cursos, campanha publicitária e criação de museu sobre o tema.
Para Emanuel Ferreira, as medidas são necessárias porque “a historicidade de feitos de preconceito/discriminação racial e ofensas rotineiras nas relações étnicas demonstram que o poder público foi inerte em corrigir as desigualdades raciais locais, e na promoção da igualdade de oportunidades”.
As ACPs tramitam na Justiça Federal no RN sob os números 0800056-26.2023.4.05.8404 e 0800057-11.2023.4.05.8404.
Relembre o caso
De acordo com as investigações do MPF, após desavença ocorrida em um churrasco, a vítima, um homem quilombola, sentindo-se ofendido, pegou uma pedra e a arremessou na porta do comércio de um dos agressores, causando, conforme citado nas ações, um “dano material insignificante – dois pequenos arranhões”. Dois homens perseguiram a vítima de moto, derrubaram-na e iniciaram uma série de chutes e agressões, terminando na imobilização total do remanescente de quilombola com uma corda. Um deles utilizou a parte restante da corda que amarrava a vítima para chicoteá-la repetidamente, de “modo cruel e desumano” por cerca de 30 minutos.
Quilombolas
Portalegre, localizada a 400 km de Natal, é o município com a maior concentração de comunidades quilombolas do Rio Grande do Norte, com quatro comunidades tradicionais remanescentes de quilombos: Sítio Pega, Lajes, Arrojado/Engenho Novo e Sítio Sobrado. A vítima pertence à Comunidade Tradicional do Pega, território que, até pouco tempo, não possuía o mínimo de estrutura básica, como rede escolar, atendimento de saúde, saneamento, acesso a água potável e encanada.
Agora RN