A pandemia deixou uma lição difícil para as escolas: o ensino remoto e as restrições sociais afetaram não só o aprendizado, mas também o emocional de muitos estudantes. Segundo pesquisas recentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 35% dos jovens brasileiros se dizem ansiosos; e numa faixa etária de 15 a 24 anos, 22% se afirmaram deprimidos ou com pouco interesse em fazer coisas. Muito disso se reflete nas salas de aula, à medida em que as atividades voltaram ao normal. O fato levanta a importância de se abordar mais a saúde mental no ambiente escolar.
A volta ainda recente às aulas presenciais trouxe uma nova leva de crianças e jovens mais ansiosos, depressivos, ou com algum transtorno que foi potencializado pelo período da pandemia. A professora de ciências e biologia Bartira Dunke pôde sentir isso, mesmo entre tantas turmas heterogêneas. “Nós percebemos diversos comportamentos, mas o que mais chamou nossa atenção foi uma certa falta de confiança dos alunos em participar das aulas, como se estivessem inseguros, distantes, sem interesse”, afirma.
A professora afirma que ficou preocupada com a introspecção demonstrada por boa parte dos alunos. “Não adianta o professor ficar só jogando conteúdo e não obter nenhuma resposta. Então foi um trabalho de meses para recuperar a atenção desses alunos, fazer com que eles se conectassem de novo com a gente. Uma ação conjunta entre professores e a coordenação da escola para ter esse retorno”, diz ela.
O ensino remoto, acredita Bartira, teve grande responsabilidade na apatia que muitos estudantes apresentaram durante a volta às aulas. “Sempre há aqueles alunos que precisam de um estímulo, mas isso ficou gritante após a pandemia. “Por mais que o professor tenha domínio da tecnologia, ele não consegue aplicar esse domínio para manter o aluno interessado do outro lado da tela, né?”, explica ela, que leciona na Mundi, uma escola particular da zona norte.
Para lidar com o desestímulo dos alunos, ela recomenda que a escola peça o auxílio de um profissional de psicologia, não é algo que o professor sozinho possa cuidar. “Na escola em que eu trabalho temos esse privilégio, uma psicóloga escolar que lida diretamente com o socioemocional do aluno. Ela sabe que não é algo brusco, mas algo que se reconquista aos poucos, conhecendo o background do estudante”, diz.
Não se trata de cobrar mais do aluno, diz a professora, mas fazer com que ele se sinta amparado, de lançar um olhar afetivo sobre o estudante. “A gente procura entender a complexidade desse jovem, suas múltiplas emoções, e fazer com que ele domine essa compreensão de suas emoções e tenha uma vida escolar mais saudável”, diz. Ela ressalta que a criança deve ter a percepção que aquele trabalho visa torná-la uma pessoa melhor quando esse ciclo escolar acabar.
Todos saíram mais ansiosos da pandemia. Dos professores aos diretores aos alunos. Na sala de aula, a professora admite que nesses casos é preciso diminuir a pressão sobre as crianças. “Tem que saber identificar os sintomas da ansiedade e trabalhar de forma especial com esse aluno. “Tirar a pressão, compreender o aluno, acompanhar de perto, mostrar que ele tem a capacidade de dominar aquela ansiedade e de dominar os seus conhecimentos ao ponto de de fazer as atividades escolares igual a todos os outros”, diz.
O professor precisa ter um olhar mais compreensivo e próximo ao estudante em crise de ansiedade. “A gente mostra que ele não precisa 100% bom, mas ser apenas bom já é o ideal. Precisa ter rotina, mas também saber lidar com a frustração de não atingir o resultado esperado”, diz. Por ser algo que não está sob total controle do aluno, ele precisa de ajuda para poder retomar seu ponto de equilíbrio.
Há casos mais específicos que algumas escolas já lidam faz algum tempo, como a questão do TDAH – Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade – bastante comum entre estudantes, sobretudo, crianças. Na escola em que ela trabalha há um Núcleo de Apoio Pedagógico que pensa nessas ações. “Os alunos com comportamento que possam prejudicar seu aprendizado recebem acompanhamento psicológico, conversa com os pais, e observação do desempenho no ano letivo. O professor também é orientado a se adaptar”, explica.
O ambiente escolar já é exaustivo por si só, e a pandemia serviu para ampliar esse cansaço para todos. Daí a questão da saúde mental ter entrado na ordem do cotidiano escolar. Bartira ressalta que todos foram obrigados a pisar fora de sua zona de conforto para poder acompanhar as mudanças do “novo normal”. “Aprender novas metodologias, aprender novos conceitos dentro da educação pra melhorar nosso convívio dentro da profissão. Mente sã significa evoluir e estar disposto a melhorar. E para o aluno, a sanidade é ter eficiência em seu ciclo de estudos, compreender suas emoções e objetivos”, afirma.
Educação emocional
A conexão com as próprias emoções começam mais cedo do que se pensa, afirma a psicóloga Taciana Chiquetti. “É muito importante estar atento ao que as crianças sentem. Para que no futuro elas não reprimam o que sentem, mas que aprendam a manejar isso de forma afetiva e equilibrada”, diz. Ela considera válidos, desde terapia infantil até a presença psicólogos na escola. “Um psicólogo no ambiente escolar para ajudar nas demandas que interferem diretamente no aprendizado intelectual do aluno, mas principalmente no seu desenvolvimento socioemocional. É bem importante”, diz.
Em relação aos pequenos em idade escolar, cabe aos pais e responsáveis observarem quando os filhos estão mais ansiosos que o normal, ou mesmo deprimidos. Geralmente isso se manifesta quando a criança ou jovem não está conseguindo realizar bem as funções do dia-a-dia. “Sentir tristeza ou sentir medo (que é a base da ansiedade) é normal, faz parte da vida, mas precisamos saber quando se está fora do normal. Medo em excesso paralisa, e tristeza em excesso leva ao isolamento e à prostração. Aí é preciso se cuidar”, explica.
A pandemia teve, entre seus efeitos na educação, o desestímulo e a evasão escolar. “Estimular a educação já era um desafio antes da pandemia. A escola precisa pensar formas de aprendizados diferentes, atualizadas com a nova geração. Mas, para além da família e do poder público, buscar entender o que causa o desestímulo do aluno. Alguns casos precisam ser vistos individualmente, com acompanhamento terapêutico”, afirma.
Prestar atenção aos estados emocionais da criança é também saber que muitos sintomas podem se confundir. Taciana ressalta que muitas vezes o TDAH pode ser apenas um caso extremo de ansiedade, por exemplo. “Às vezes se trata muito mais de ansiedade que leva a pessoa a ficar desatenta, do que propriamente ao transtorno de déficit de atenção – que exige alguns protocolos para ser diagnosticado. Dizer que tem TDAH por não prestar atenção em algo é, em vários casos, um equívoco”, alerta.
Muitas crianças e adolescentes têm dificuldade em se expressar e interagir. Para a psicóloga, a família e sobretudo a escola devem criar um ambiente de intimidade, confiança e segurança, onde esse jovem possa falar abertamente sobre o que está acontecendo com ela, sobre seus sentimentos. O distanciamento e o fechamento em si causam sofrimento e podem atrapalhar o convívio familiar e escolar”, conclui.
Tádzio França | Tribuna do Norte