Os casos de violência doméstica no Rio Grande do Norte cresceram 29,2% nos sete primeiros meses de 2023 em comparação ao mesmo período do ano passado, de acordo com dados da Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais (COINE) da Secretaria de Segurança e Defesa Social do Estado (Sesed). Os números indicam que de janeiro a julho deste ano foram 7.526 registros ante 5.825 em igual recorte de 2022. A tipificação que mais cresceu foi o crime de injúria (587 registros no ano passado e 1.157 em 2023 – aumento de 97,10%). Já os casos de feminicídio cresceram 45,45% no mesmo período (11 em 2022 e 16 este ano).
De acordo com a Sesed, os dados sobre violência doméstica são referentes aos crimes enquadrados na Lei Maria da Penha (ameaça, lesão corporal, injúria, descumprimento de emenda protetiva, vias de fato, difamação, estupro, estupro de vulnerável, calúnia e tentativa de feminicídio). Além de injúria, os crimes que mais cresceram no Estado foram vias de fato – 358 em 2022 e 550 em 2023 (aumento de 53,63%), difamação – 165 em 2022 e 246 em 2023 (aumento de 49,09%) e estupro de vulnerável – 133 no ano passado e 177 em 2023 (elevação de 33,08%).
Já o feminicídio é classificado, segundo a Sesed, como Crime Violento Letal Intencional (CVLI). Wanessa Fialho, da Subsecretaria de Políticas para Mulheres (SPM) do RN, afirma que o Estado tem buscado iniciativas para reverter os números, mas reconhece que a tarefa é árdua. Segundo ela, são necessárias, sobretudo, mudanças comportamentais. “Há uma grande dificuldade em fazer o enfrentamento dessa cultura porque é um cenário que tem relação direta com o machismo”, aponta.
No início deste mês, um caso de violência contra a mulher virou notícia na imprensa local: Marigel Custódio Filho, de 29 anos, manteve reféns a ex-companheira, de 28 anos e os dois filhos, por 15 horas em Macaíba, na Região Metropolitana de Natal. Ele já respondia na justiça por violência doméstica e tentativa de homicídio contra a ex, de acordo com a Polícia Militar. Durante o cárcere, o acusado, que usava tornozeleira eletrônica, rompeu o equipamento. Embora houvesse uma medida protetiva em favor da vítima, a mulher não tinha sido inserida pela Justiça no acompanhamento da Patrulha Maria da Penha.Ele está em prisão preventiva por determinação judicial.
Também neste mês de agosto, a polícia prendeu Wallace Barbosa dos Santos, de 23 anos. Ele é acusado de executar um agente da Guarda Municipal de Natal em setembro de 2022 e de matar a ex-mulher em abril deste ano. No último dia 12, mais um caso de violência: um homem esfaqueou a companheira na Redinha, bairro da zona Norte da capital. A vítima foi socorrida pelo SAMU e levada para um hospital.
A subsecretária de Políticas para Mulheres, Wanessa Fialho, disse que os esforços da pasta têm sido no sentido de fortalecer a rede de proteção às vítimas. Segunda ela, de 2019 para cá houve a reativação de uma Delegacia Especializada no Atendimento às Mulheres (DEAM) e a abertura de sete novas unidades, totalizando 12 em todo o Rio Grande do Norte.
Além de Natal (que conta com duas delegacias, uma em candelária, na zona Sul e outra em Potengi, na zona Norte), os municípios de Caicó, Parnamirim, Ceará-Mirim, Macau, Assú, Mossoró, Pau dos Ferros, Macaíba e São Gonçalo do Amarante, também contam com DEAMs. O funcionamento de quase todas as unidades é das 8h às 18h (a exceção é a delegacia da zona Norte, que funciona 24 horas).
Resposta é insuficiente, diz especialista
Além das delegacias especializadas, onde as mulheres podem fazer denúncias e requerer medidas protetivas, as vítimas podem contar com assistência disponibilizada pelo Estado, como a Casa de Acolhimento Anatália de Melo Alves, em Mossoró e a Casa Clara Camarão, em Natal. Wanessa Fialho, da SPM, disse que outro local de acolhimento está sendo pensado para o Rio Grande do Norte: é a Casa da Mulher Brasileira.
Segundo a subsecretária, os recursos já foram assegurados pelo Governo Federal. O Executivo estadual busca agora a viabilização de um terreno em Mossoró para a construção. A intenção é instalar um local de acolhimento do tipo em Natal, segundo ela. “As casas são como centros de referência, com atendimento de equipe multidisciplinar e funcionará como uma célula intersetorial de atendimento, com serviços da Defensoria Pública, DEAM, Tribunal de Justiça e Ministério Público. A Anatália Alves, que conta com uma equipe multidisciplinar de assistência (psicólogo, assistente social e terapeuta ocupacional), acolhe também os filhos das vítimas (crianças e adolescentes)”, explica Fialho.
“Temos, ainda, a Codim (núcleo da segurança pública), que faz o recebimento das denúncias do 180, e que, do mesmo modo, presta atendimento multidisciplinar Na esfera municipal, o CREAS e o CRAS, especialmente este último, fazem os atendimentos”, acrescenta a gestora. Wanessa Fialho afirma que, em março deste ano, o Governo do Estado reativou o ‘ônibus Lilás’, instrumento que leva serviços a mulheres em situação de violência no campo e em locais de difícil acesso.
Outra ação é a campanha ‘Maria vai à cidade prevenir todas as formas de violência contra as mulheres’, segundo a gestora. “A gente leva informação, formação e serviços como Defensoria Pública, Itep e Sine, para que elas tenham atendimento e orientação jurídica e façam a emissão de identidade, porque muitos agressores extraviam os documentos das vítimas. Também fazemos roda de conversa e atendimentos junto à Ouvidoria de Direitos Humanos. Estamos tentando montar todo um aparato para mudar a realidade desses números”, garante a subsecretária.
Para a psicóloga Luana Cabral, as ações são necessárias, embora ainda pouco eficazes para proteger as mulheres. “A resposta que o poder público dá é muito insuficiente. A gente tem um avanço, com a Lei Maria da Penha, instituições e políticas públicas que trabalham com a garantia de direito das mulheres, mas é preciso promover a segurança necessária para que as vítimas saiam da situação de violência e se mantenham vivas”, diz a especialista, que é membro do Conselho Regional de Psicologia do RN (CRP-RN).
Para psicóloga, acolhimento é fundamental
Reconhecer os sinais da violência contra a mulher nem sempre é uma tarefa fácil e quando esse reconhecimento acontece, ele geralmente vem acompanhado de constrangimento e culpa pela própria vítima. Por isso, de acordo com a psicóloga Luana Cabral, é tão importante o acolhimento. Forçar a mulher a denunciar o agressor, a abandonar a relação ou a permanecer nela, são erros que geralmente as pessoas que deveriam servir como rede de apoio constantemente cometem, segundo Cabral. Ela explica que existe um processo para que a mulher consiga identificar as mais variadas agressões e que o acolhimento pode ser uma grande ferramenta.
“Geralmente, o autor da violência é a mesma pessoa em quem ela deposita afeto, amor e carinho. Então, existe uma série de emoções e sentimentos vinculados à figura do agressor que faz com que esse processo seja extremamente difícil de ser notado. No início da relação, muitas coisas ditas são colocadas como forma de cuidado e amor. Isso se mistura e causa muita confusão”, detalha. Luana, que é coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do CRP e integra o Conselho Estadual de Direitos das Mulheres (CEDIM), diz que situações naturalizadas de violências anteriores também dificultam qualquer identificação.
Números
Violência doméstica no RN (de 1º de janeiro a 31 de julho):
2022
Ameaça: 2.513
Lesão corporal: 1.529
Injúria: 587
Descumprimento de emenda protetiva: 387
Vias de fato: 358
Difamação: 165
Estupro de vulnerável: 133
Estupro: 92
Calúnia: 44
Tentativa de feminicídio: 17
Total: 5.825
2023
Ameaça: 2.808
Lesão corporal: 1.805
Injúria: 1.157
Descumprimento de emenda protetiva: 618
Vias de fato: 550
Difamação: 246
Estupro: 99
Estupro de vulnerável: 177
Calúnia: 45
Tentativa de feminicídio: 21
Total: 7.526
Aumento de 29,2%
Fonte: Coine / Sesed
Tribuna do Norte