Uma criança nascida no Rio Grande do Norte em 2021 perderá 48,3% de todo o seu potencial de desenvolvimento humano até completar 18 anos. O número é resultado das condições de saúde e educação agravadas pela pandemia de Covid-19. Ou seja, um potiguar só alcançará 51,7% do que poderia alcançar. O cálculo é do Relatório de Capital Humano Brasileiro, publicado pelo Banco Mundial nesta semana.
Em 2019, o Índice de Capital Humano (ICH) — utilizado para calcular os prejuízos na infância — dos potiguares nascidos naquele ano era de 57,1%. Assim, o desperdício de talentos no período pré-pandemia era de 42,9%. No Estado, a pandemia trouxe uma queda de 9,45% no desenvolvimento de capital humano.
O Rio Grande do Norte possuía ainda, em 2019, uma das cinco piores cidades do Brasil para o desenvolvimento de capital humano. Monte das Gameleiras, com uma população de cerca de 2.100 habitantes, possuía um ICH de 0,461, equivalente a 46,1%. O resultado a coloca como a quarta pior do Brasil. As outras cidades são Ibirataia-BA (0,449), Igarapé do Meio-MA (0,453), Luciara-MT (0,455) e Barreiras do Piauí-PI (0,463).
Monte das Gameleiras, diz o estudo, possui características importantes compartilhadas com as outras cidades. “A qualidade da educação é baixa, o que é um impedimento significativo na formação do capital humano. O desempenho nas avaliações nacionais de aprendizagem nos municípios com pior classificação está significativamente abaixo da média”, aponta. Outro motivo é que “uma parcela significativa de sua população vive abaixo das taxas de pobreza.”
O ICH estima a produtividade esperada de uma criança nascida hoje aos 18 anos de idade, em um contexto onde as condições de educação e saúde permanecem inalteradas. O cálculo considera três fatores: a taxa de sobrevivência infantil até os cinco anos e a ausência de déficit de crescimento; os anos esperados de escolaridade e resultados de aprendizagem, e a taxa de sobrevivência na fase adulta.
De acordo com Ildo Lautharte, economista da Prática Global de Educação do Banco Mundial e um dos responsáveis pelo estudo, a “conta da crise” gerada pela pandemia é um problema complexo. “Nós estávamos acostumados com ‘crise’ no Brasil, no sentido geral da palavra. Por exemplo, uma crise econômica, uma crise educacional. Agora, essa crise é diferente. Ela é sobreposta, pelo menos na perspectiva do capital humano. Por exemplo, a gente tem uma crise sanitária, uma crise educacional, tem uma crise de vulnerabilidade econômica e tem uma crise emocional.”
Os educadores também são afetados. “Os professores não têm essa formação para lidar com um problema tão grande. Agora o aluno chega não somente não sabendo. Ele chega não sabendo, com ansiedade, com depressão, com um nível de defasagem educacional muito maior”, afirma Ildo.
Segundo o cientista social e professor do Instituto Humanitas, Alex Galeno, os prejuízos da baixa formação estão relacionados com uma alta concentração de renda, e são sentidos fisicamente e psicologicamente. “Mantendo essa concentração de renda futura, a primeira coisa que vai ser atingida é o aspecto nutricional da criança, e há um limite para a capacidade cognitiva se a criança não come”, opina o professor. “Voltou a fome no mundo e no Brasil. Se você continua com fome no país, as crianças mais pobres ficam sem renda e vai aumentar a miséria e o desemprego.”
Por isso, a indústria local também é afetada futuramente. “Em 20 anos sem estudo e sem alimentação, qual o ganho que essa criança vai ter, considerando inclusive os impactos do ponto de vista do trabalho e das tecnologias?”, questiona Galeno. “O Estado precisa prestar um bom serviço, inclusive para ter uma boa mão de obra qualificada para os empresários abrirem postos de trabalho e emprego.”
As diferenças de gênero também foram analisadas pelo Banco Mundial, em meio à crise da economia. “O aluno que precisa trabalhar não consegue se manter na escola, tem a decisão crítica de sair para trabalhar. Ou os pais forçam as meninas a ficar em casa para os dois saírem para trabalhar, então tem toda essa questão de gênero que entra”, comenta o economista.
Para o ICH, as pessoas precisam seguir uma trajetória básica. Ao nascer, as crianças precisam sobreviver. Na infância, precisam estar bem nutridas. Na idade escolar, segundo o Banco Mundial, devem concluir todos os níveis de ensino e receber aprendizagem adequada. Por fim, na idade adulta, precisam de boa saúde.
Em uma cidade em que as crianças não tenham risco de morrer antes dos cinco anos e não tenham o déficit de crescimento ameaçado, com educação de qualidade e saúde, tende a ter um índice mais próximo do 1 (ou 100%). Já se o risco de morte na infância é alto, a criança sofre de má nutrição e a educação é deficitária, terá um ICH baixo.
Tribuna do Norte