O ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que a Funai (Fundação Nacional do Índio) mantenha vigentes as restrições de acesso e uso da Terra Indígena Tanaru, em Rondônia, onde viveu o “índio do buraco”, sepultado no território no último dia 4. Ele era o último de seu povo. A terra de 8.070 hectares se manteve preservada por décadas em razão de sua presença.
Na mesma decisão cautelar, Fachin determinou que o governo federal providencie a publicação de portarias de restrição de uso de territórios onde vivem grupos de indígenas isolados e para os quais não ocorreu demarcação pelo Estado. O prazo para essa providência é de até 60 dias, o que deve jogar o cumprimento da decisão para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A cautelar lista outras obrigações que precisam ser cumpridas pela União, diante do descaso com os indígenas ao longo dos quatro anos do mandato de Jair Bolsonaro (PL): adoção de medidas para proteção integral de territórios onde há grupos isolados; apresentação de plano de ação para regularização dessas terras; e definição de um cronograma para expedições da Funai.
Fachin também ordenou um avanço de processos de demarcação de terras indígenas, diante do fato de que o governo Bolsonaro zerou tanto as declarações de posse -atos que antecedem as homologações- quanto as demarcações definitivas. Bolsonaro foi o primeiro presidente a adotar essa postura desde a Constituição de 1988, que prevê a delimitação de terras indígenas pelo Estado.
O ministro do STF ordenou ainda que as autoridades reconheçam “a forma isolada de viver como declaração da livre autodeterminação dos povos indígenas isolados”.
A decisão é do último dia 21 e se deu no curso de uma ação movida pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) no STF.
Questionada pela reportagem sobre a decisão do ministro do STF, a Funai não se posicionou.
A ação da Apib aponta “graves lesões a preceitos fundamentais da Constituição” praticadas pelo governo Bolsonaro em relação a povos isolados e de recente contato.
“As ações e omissões do poder público estão colocando alguns povos indígenas em risco real de genocídio, podendo resultar no extermínio de etnias inteiras”, disse a associação.
Há demora injustificada de atos de demarcação, atraso ou até mesmo não renovação de portarias de restrição de uso, enfraquecimento da fiscalização pelas bases da Funai, ameaças de invasores nos territórios e recusas do órgão em conduzir as atividades de campo necessárias para identificação de grupos isolados.
O Estado brasileiro reconhece 114 registros da presença de povos isolados, dos quais 28 são registros com referências confirmadas. A demora em providências sobre os demais grupos faz com que vivam “sem qualquer espécie de proteção territorial e expostos a riscos extremos”, diz a ação da Apib.
O ministro do STF concordou com os argumentos e informações apresentados pela associação. “Compreendo ter restado demonstrada a insuficiência e ineficiência da atuação estatal na proteção desses grupos”, disse na decisão.
Ficou demonstrado um “quadro de violação generalizada”, segundo Fachin. “A ineficiência da administração pública no tema é evidente.”
O governo Bolsonaro agiu para desfazer proteções e deixou de renovar portarias de restrição de uso, mesmo em relação a áreas com presenças confirmadas de povos isolados, cita a decisão.
“As atuações pontuais de fiscalização e combate ao crime não têm sido suficientes para a efetiva proteção dos povos isolados e de recente contato, que convivem com um grave risco de genocídio e etnocídio”, afirmou Fachin.
A Funai argumentou no curso da ação que investiu R$ 82,5 milhões em ações de fiscalização em terras indígenas desde 2019 e que houve redução do desmatamento nesses territórios. Com ações de proteção de povos isolados, os gastos foram de R$ 51,4 milhões entre 2019 e 2021, superiores aos feitos nos três anos anteriores, segundo a Funai.
No caso do território onde vivia o “índio do buraco”, a manutenção da portaria de restrição de uso deve permanecer até o julgamento do mérito da ação. Ela tem validade original até 2025.
“A despeito do único indígena Tanaru reconhecido ter falecido, a preservação da memória e do território para pesquisas de cunho antropológico, diante da recentíssima perda ocorrida na região, mostra-se condizente, ao menos no estrito âmbito cautelar”, disse Fachin.
A decisão será submetida a votação no plenário virtual do STF, com participação dos demais ministros, no começo de dezembro.
Após a morte do “índio do buraco”, confirmada em agosto, fazendeiros entraram com pedidos na Funai para ocupar o território, que é uma ilha de vegetação amazônica rodeada por descampados e fazendas.
O presidente do órgão, Marcelo Augusto Xavier da Silva, agiu para retardar o sepultamento de Tanaru e conseguiu adiar o enterro. Ele barrou o sepultamento mesmo com todos os exames nos restos mortais já feitos por peritos da Polícia Federal.
Indigenistas e servidores da Funai dizem que Xavier agiu para tentar beneficiar os fazendeiros interessados na área. A gestão do presidente da Funai é voltada a atender os interesses de ruralistas e é contrária aos indígenas, segundo esses indigenistas e servidores.
Os restos mortais do “índio do buraco” só foram enterrados na palhoça onde ele morreu, na terra indígena onde viveu isolado e sozinho, por força de uma ação civil pública do MPF (Ministério Público Federal) e uma decisão da Justiça Federal em Rondônia. O sepultamento ocorreu mais de três meses após sua morte.
Agora RN