A diarista Priscila Han Batista, de 38 anos, está sem trabalho desde a chegada da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2). Faltam leite e fraldas para duas de suas três filhas – a mais velha é adolescente. Comida, só arroz (“mistura não tem faz uma semana”). O marido está internado com Covid-19. As contas da casa em que a família mora, na Zona Leste de São Paulo, ficaram atrasadas. Mas, na segunda-feira (13), chegou uma ajuda inesperada: R$ 300 caíram na conta bancária da faxineira.
O depósito foi feito pela artista Thais Ferreira, do Coletivo Massa, e pela designer Thaiz Leão, do Instituto Casa Mãe. As duras criaram o projeto Segura a Curva das Mães, que ajuda com dinheiro e apoio psicológico e jurídico 732 mães vulneráveis de todo o Brasil.
Lançado em 26 de março, o programa surgiu como um cadastro on-line no qual puderam se inscrever mães afetadas pela quarentena (medida de restrição de circulação recomendada por especialistas em saúde para frear a propagação do vírus). Priscila não se inscreveu – mas “provavelmente alguém que sabia da minha situação fez isso”, diz ela em entrevista ao G1.
A cocriadora do Segura a Curva das Mães diz que as 732 mulheres que receberão auxílio pelo projeto são trabalhadoras informais ou desempregadas. Além disso, elas:
- têm 35 anos em média;
- são, na maioria, negras (65%);
- têm, em média, dois ou três filhos;
- contavam com renda mensagem entre R$ 101 e R$ 200 por integrante da família antes da quarentena
- e não recebem nenhuma ajuda fora de casa (69%) ou não têm ninguém para ajudar dentro de casa (27%).
Existem pelo menos 5 milhões de mulheres que são mães e moradoras de favelas brasileiras. Dessas, 92% terão dificuldade para alimentar sua família caso fiquem um mês sem trabalhar, segundo um levantamento realizado em março pelo instituto Data Favela, que pesquisa estratégias de negócios voltados às comunidades do país.
O estudo também revelou que 73% dessas mulheres são extremamente vulneráveis e não têm nenhum dinheiro guardado que lhes permita comprar o básico, na hipótese permanecerem um dia que seja sem função remunerada.
Esse é o caso de Priscila, que ganhava R$ 360 por semana e recebeu o último pagamento (R$ 120) em 19 de fevereiro. Ela diz que não sobrou nenhum real. O marido, que também é autônomo e recebia R$ 80 por dia entregador, já estava sem rendimentos mesmo antes do diagnóstico positivo para Covid-19.
“Na quinta [9 de abril] acabou o nosso sabonete. Álcool em gel, a gente nunca pôde comprar. Leite e fralda para as meninas também faltou, mas consegui uma doação esses dias de uma vizinha”, afirmou Priscila.Dos gastos com a casa, vai pagar só a conta de luz, porque conseguiu negociar com a empresa fornecedora de energia.
Priscila trabalhou muitos anos em um hospital, do qual foi demitida em 2015, após engravidar da segunda filha.
“Eu não tenho registro em carteira de trabalho desde então, e virei faxineira. Neste ano, estava com uma vida tranquila e meu marido até estava tirando carta de caminhão. Aí, aconteceu tudo isso. Esta é a primeira vez em que fico sem serviço e sem renda nenhuma.”
Para arrecadar a quantia emergencial garantir suporte psicológico (principalmente às grávidas) e jurídico (às mães que precisam receber pensão alimentícia ou que foram demitida), o Segura a Curva das Mães faz um financiamento coletivo na internet e conta com apoio de ONGs e outras mulheres que se dispuseram a ajudar.
Faltam produtos para limpar a casa
Inscrita no Bolsa Família, mas sem receber o auxílio desde outubro de 2019 por causa de erro no cadastro, Priscila foi informada que receberá o auxílio emergencial de R$ 600 disponibilizado pelo governo federal aos trabalhadores informais. “Mas [no meu caso] vão repassar o dinheiro somente no final abril! O que faço até lá? Falta mistura e produto de higiene hoje.”
No desespero, ela colocou à venda taças e peças de porcelana que ganhou de presente de uma patroa. “Se conseguir vender, vou ganhar R$ 250.”
Enquanto a diarista dava entrevista para esta reportagem por telefone, o marido passou mal e foi ao hospital, onde fez o teste para coronavírus – deu positivo.
Sem ter como limpar a própria casa, Priscila teve de ir com as filhas para a casa da sogra. Neste domingo (12), porém, o hospital deu água sanitária e álcool gel para a diarista desinfectar o imóvel e poder retornar em segurança.
“Recebemos relatos de perda das oportunidades de trabalho – a maioria é diarista, manicure, camelô e cabeleireira –; de sobrecarga no cuidado doméstico; e de perda do apoio que tinham antes do coronavírus, já que muitas contavam com idosos para ajudar no cuidado dos filhos. Muitas também relataram maior exposição à violência no ambiente doméstico, que já não era saudável e seguro”, afirma Thaís.
Além de conhecer a realidade dessas mães, o Segura a Curva das Mães também permitiu mapear geograficamente os locais em que elas vivem. O objetivo é colocá-las em contato com iniciativas que já estejam fazendo distribuição de itens de primeira necessidade na região em que elas vivem.
Outra mulher que será ajudada pelo projeto é a bordadeira carioca Patrícia G. (ela preferiu não fornecer o sobrenome), de 39 anos. Autônoma, ela também perdeu o emprego com carteira de trabalho assinada quando engravidou do segundo filho, a exemplo de Priscila.
Separada há um ano, Patrícia entrou na Justiça para pedir a pensão alimentícia para os dois filhos, que são autistas. A carioca também entrou com medida protetiva contra o pai das crianças, por causa de violência doméstica. “Mas o judiciário entrou em recesso antes de o pai ser intimado. Então, estou sigo sem a pensão e sem a medida”, conta ela.
Patrícia segue a Thaís Ferreira nas redes sociais e ficou sabendo pelo Facebook do Segura a Curva das Mães. “Me inscrevi, inscrevi outras mães de crianças especiais que eu conheço da escola municipal que meus meninos estudam.”
A bordadeira está sem trabalhar há um mês, mas diz que faltam alimentos e produtos de higiene, já que amigas fizeram uma vaquinha para arrecadar uma quantia emergencial. “Outra amiga fez compras no Ceasa e entregou na porta de casa um caixote cheio de legumes, que eu tratei e congelei.”
A carioca conheceu esse grupo de mulheres em 2015, quando estava grávida do primeiro filho. “Nos conhecemos através da doula [acompanhante de parto] que tivemos para as nossas gestações. Ela tinha um grupo de WhatsApp, das doulandas [gestantes] dela. Desde então, somos amigas e nos ajudamos.”