Brasil

Fome e pandemia nas favelas: ‘Meus netos comem menos para eu almoçar’

O único que trabalha na família é o filho dela, que mora de aluguel no mesmo bairro e faz trabalhos informais como pedreiro

No último domingo, a empregada doméstica Josinete Antônia da Silva, de 64 anos, abriu os armários da casa onde mora na periferia de Recife, em Pernambuco. Destampou os potes de mantimentos e não encontrou nada. Não havia nada nas panelas também. A filha, ao saber que a mãe não tinha o que almoçar, pediu para que os filhos dela comessem menos para que sobrasse para a avó.

“Ela falou: hoje, cada um de vocês come um pouquinho menos para ter comida para a vó também. E me mandou carne moída, feijão e arroz. Se não fosse ela, não sei o que eu teria feito”, contou Josinete em entrevista por telefone à BBC News Brasil.

De acordo com ONGs, líderes comunitários e empresas especializadas em doações ouvidas pela reportagem, o número de contribuições caiu drasticamente ao longo da pandemia e hoje, no auge da crise sanitária, muitas famílias que moram em comunidades não têm o que comer.

Nas últimas 24 horas, o Brasil registrou 3.869 mortes por covid-19, superando o recorde registrado na véspera, 3.780 vidas perdidas.Josinete recebe uma pensão no valor de um salário mínimo (R$ 1.100) e mora com as três filhas, que perderam o emprego na pandemia. Uma delas tem quatro filhos e está grávida. A outra tem dois.

Ela conta que o dinheiro da pensão é insuficiente para comprar comida para o mês. O único que trabalha na família é o filho dela, que mora de aluguel no mesmo bairro e faz trabalhos informais como pedreiro.

“Ele me ajuda como pode. Está tudo muito caro. Vou ao mercado comprar feijão, arroz, uns pedacinhos de galinha, macarrão e salsicha e não gasto menos de R$ 100. O que pesa é a carne, o arroz e o leite, ainda mais morando com uma criança de 3 anos e outra de 9 meses. Tem dia que dá para comprar pão, outros não”, conta Josinete.

Além dela, na mesma casa moram três filhas e cinco netos. Ao todo, Josinete tem nove filhos (sete desempregados), 33 netos e sete bisnetos. No início da pandemia, em 2020, ela recebeu cestas básicas e dinheiro para fazer a feira, mas no fim do ano essa ajuda diminuiu gradativamente até parar, conta ela.

O Instituto Casa Amarela Social foi um dos que ajudaram a família de Josinete na pandemia. O grupo faz diversas campanhas para arrecadar doações. “Eu tenho vergonha de pedir para outras pessoas, mas não (quando é) para meus filhos. Eu só peço misericórdia para quem tem um pouco mais (de dinheiro) se unir com os outros e ajudar quem não tem condições de sair dessa sozinho. O governo poderia ter mantido o auxílio emergencial em R$ 600, mas a gente não tem escolha”, afirmou.

O Congresso aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite o financiamento do novo auxílio, que terá valor médio em R$ 250, mas as cotas devem variar entre R$ 150 e R$ 375.

Uma pesquisa feita pelo Data Favela, uma parceria entre Instituto Locomotiva e a Central Única das Favelas (Cufa), em fevereiro, apontou que, entre os 16 milhões de brasileiros que moram em favelas, 67% tiveram de cortar itens básicos do orçamento com o fim do auxílio emergencial, como comida e material de limpeza.

Outros 68% afirmaram que, nos 15 dias anteriores à pesquisa, em ao menos um faltou dinheiro para comprar comida. Oito em cada 10 famílias disseram que não teriam condições de se alimentar, comprar produtos de higiene e limpeza ou pagar as contas básicas durante os meses de pandemia se não tivessem recebido doações. 

BBC NEWS