O juiz Artur Cortez Bonifácio, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Natal, determinou que o Estado do Rio Grande do Norte, no prazo de 48 horas, permita o retorno das aulas presenciais em todas as instituições de ensino, públicas e privadas, estaduais e municipais, em qualquer das etapas da Educação Básica, de forma híbrida, gradual e facultativa. Uma liminar pleitada pelo Ministério Público Estadual foi participalmente deferida pelo magistrado.
Segundo a determinação judicial, a abertura e funcionamento das escolas da rede privada fica condicionada ao cumprimento do que está determinado nos Protocolos Sanitários vigentes, de modo que as medidas de biossegurança sejam rigorosamente cumpridas.
Já a abertura e funcionamento das escolas das redes públicas estadual e municipais devem observar os respectivos Planos de Retomada de Atividades Escolares Presenciais que contemplem os protocolos sanitários e pedagógicos, devidamente elaborados, aprovados e publicados pelos Comitês Setoriais Estadual e Municipais.
Ação
O Ministério Público Estadual ingressou com Ação Civil Pública em desfavor do Estado do Rio Grande do Norte onde pleiteou a concessão de liminar para o retorno das aulas presenciais em todas as instituições de ensino, públicas e privadas, estaduais e municipais, em qualquer das etapas da Educação Básica, de forma híbrida, gradual e facultativa.
Entre as alegações, o MP aponta que nos últimos decretos estaduais com medidas de enfrentamento à pandemia causada pelo novo coronavírus, as escolas foram mantidas fechadas, mantendo abertas as demais atividades consideradas essenciais. Afirma que com a melhora de dados epidemiológicos, permitiu-se a abertura dos demais serviços, inclusive não essenciais, mas as escolas da rede pública permaneceram integralmente fechadas e apenas parte das escolas da rede privada puderam funcionar.
O Ministério Público indicou ainda que não tendo sido a educação considerada como serviço essencial, o órgão ministerial expediu em 31 de março de 2021, a Recomendação Conjunta nº 01/2021 ao Estado do Rio Grande do Norte, pleiteando, dentre outras medidas, tal inclusão. Afirma contudo que o Decreto Estadual nº 30.458/2021, com período de vigência de 5 a 16 de abril, impôs restrições mais severas aos serviços educacionais, se comparados aos demais serviços, e conferindo tratamento desigual aos alunos da rede pública.
Decisão
Ao analisar o caso, o juiz Artur Cortez Bonifácio entendeu estarem presentes os requisitos para concessão da liminar, ou seja, a probabilidade do direito (fumus boni juris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo (periculum in mora).
Para o julgador, o periculum in mora está configurado, na medida em que, o fechamento das escolas por mais de um ano traz evidentes prejuízos às crianças e adolescentes que são retiradas do ambiente escolar obrigando-se a viver em isolamento social. O magistrado cita nota complementar da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), publicada em 26 de janeiro de 2021, em que são citados impactos como o risco de efeitos negativos no desenvolvimento, na saúde mental, na escolarização e na capacidade de trabalho futuro dos alunos.
“A retirada das crianças e adolescentes do ambiente escolar contribui à submissão de tais indivíduos a toda sorte de responsabilidades que antes não lhe cabiam e até mesmo de violências, domésticas ou não”, observa o juiz Artur Cortez Bonifácio.
Sobre a probabilidade do direito, o julgador aponta a necessidade de observância da legislação a partir da Constituição Federal, “sobretudo porque estamos a tratar de o dever de educar que tem o Estado em relação às crianças e adolescentes, direito este de ordem fundamental incluso no artigo 6º, na pauta dos direitos sociais, no art. 205 e no art. 212, o primeiro como comando geral ao Estado e o segundo no que tange à alocação prioritária e cogente dos recursos à educação, pelos entes públicos.”
O juiz Artur Bonifácio enxerga como constitucional e extraordinária a necessidade de tomar providências ao regulamentar condutas em estado de crise, o que recomenda a possibilidade de imposição de restrições ao desfrute de direitos fundamentais, com limitações em caráter temporário sobre a liberdade de locomoção, reunião, propriedade, exercício das atividades econômicas e profissões, de caráter científico, educativo ou religioso, pessoas e empresas, em favor do dever de proteção estatal à saúde, igualmente direito de cidadania e de realização constitucional em favor da coletividade. “Tudo deve ser compreendido tomando em conta a conjuntura e o seu natural caráter provisório”.
Para a tomada de decisões no contexto da pandemia, entende ser necessário, antes de tudo, analisar os dados científicos disponíveis e/ou recomendações feitas por órgãos técnicos acerca da questão, para que, então, possa sobrepesar as escolhas feitas pelo Estado quanto à eventuais excessos ou ilegalidades.
Assim, observou o relatório do dia 24 de abril, disponibilizado pelo Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS) da UFRN, que evidencia a existência de mais leitos críticos disponíveis do que pacientes com perfil de leito crítico na lista de regulação considerando-se o Estado do RN como um todo. Também recorreu ao relatório do Laboratório do dia 17 de abril que recomendou a reabertura das escolas de forma híbrida.
“Diante de tais dados, então, podemos concluir inexistir motivos atuais que impeçam o deferimento da liminar buscada, até mesmo porque o que se persegue in casu é uma reabertura GRADUAL, FACULTATIVA E HÍBRIDA dos serviços educacionais presenciais. Soma-se a isso a autorização de reabertura gradativa de serviços não essenciais”, analisa o julgador.
Outro ponto destacado por ele é que o próprio Estado do RN já sinalizou positivamente quanto à reabertura das escolas quando assinou o acordo extrajudicial, embasador da ação de nº 0800487-05.2021.8.20.5001. “Há intenção do Governo na reabertura e existem informações prestadas pelo próprio ente relativas à estruturação necessária à rede pública, estando apenas a se aguardar naqueles autos a juntada de plano de retomada das atividades escolares presenciais com protocolo sanitário e pedagógico de retorno às aulas, obrigação para a qual as partes fixaram um prazo de 20 dias”.
Quanto aos demais pedidos do Ministério Público – relativos à declaração de essencialidade do serviço de educação e da determinação para que o Estado priorize a manutenção do funcionamento da educação em necessidade epidemiológica, bem como dispense tratamento igual aos setores públicos e privados diante da mudança de cenário – o juiz entendeu não ser possível o seu acatamento em sede de liminar, “pois tais medidas, a meu sentir, invadem a discricionariedade que é conferida aos agentes públicos para tratar de tais questões, configurando-se um forma de interferência indevida de um Poder sobre o outro”, decidiu.