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Natal enfrenta problemas com chuvas há 66 anos

Marcos Ribeiro mostra onde água chegou em sua casa. Foto: Magnus Nascimento

As fortes chuvas que caíram na capital potiguar provocaram uma série de transtornos para os natalenses. Avenidas inteiras foram interditadas, crateras se abriram, casas foram inundadas, famílias ficaram desalojadas e imóveis foram interditados. Esse é o cenário de caos vivenciado em Natal ao longo dos períodos chuvosos das últimas sete décadas, conforme registram as páginas da Tribuna do Norte desde 1956. Hoje, 66 anos depois, os problemas são os mesmos diante das chuvas intensas que ocorrem quase que ininterruptamente há uma semana.

As chuvas mais recentes provocaram a cheia de 12 lagoas de captação na capital, o que vem causando estragos para quem vive no entorno dos canais de tratamento. A cena se repete ao longo de muitos anos, diz João Soares, morador do loteamento José Sarney, na zona Norte de Natal. João já morava na área em 1998, na maior chuva dos últimos 24 anos, quando o transbordo da lagoa devastou as casas da comunidade. “Foi desesperador na época, a água cobriu o muro das casas, invadiu minha casa toda. Hoje, infelizmente, o desespero continua, tirando a rua que foi calçada, não mudou nada. A lagoa continua igual”, afirma.

Há mais de uma semana, desde o sábado (2), a rotina do mecânico Marcos Ribeiro, que mora no José Sarney há 14 anos, se resume a jogar móveis danificados no lixo, retirar a lama de dentro de casa e calcular o prejuízo. Além da perda de sofá, armários, guarda-roupas e eletrodomésticos, o mecânico diz ainda que a água estragou cinco motores nos quais ele fazia consertos. O prejuízo já passa dos R$ 30 mil. “Tinha esse trabalho aqui para fazer, mas e agora? Vou dizer o que para os clientes? Perdemos tudo, o que você está vendo aqui são coisas que eu já comprei agora, mas aqui ninguém dorme. Estamos abandonados aqui”, relata.

Sem ajuda do poder público e sem perspectiva de melhora, Marcos diz que pretende deixar a casa que construiu e se mudar para longe das enchentes. “Aqui era um lugar bom de morar, mas depois que fizeram essa obra aí e ficou parada, as coisas pioraram muito. Se Deus quiser, o ano novo eu não entro aqui, quero me mudar porque não tem condições. Você conquista as coisas com o maior esforço do mundo para ver tudo se acabando de uma hora para outra”, desabafa.

Os problemas históricos de infraestrutura e drenagem, que são evidenciados no período de inverno, são resultados de intervenções mal pensadas na natureza, diz o geólogo Ricardo Amaral. “Notadamente, a gente já sabe que existem esses picos de chuva que remontam à década de 1950, 60, 70, 80, enfim. Portanto, não há, de forma alguma, como se colocar ‘culpa’ na natureza. A culpa é 100% do homem, do ser humano. A gente precisa entender como a natureza funciona, não dá para lutar contra a natureza. Então, se existe essa condição, as engenharias precisam levar isso em consideração antes de construir”, comenta Amaral.

Na década de 1960, a capital tinha cerca de 160 mil habitantes, bem distante da população de 896 mil pessoas, segundo os censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com mais gente, os problemas se agravaram, diz Amaral, que também é professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “O crescimento da população soma-se ao problema, o que consequentemente, aumenta o número de ocupações irregulares e de descarte incorreto de lixo. É uma questão profunda, com aspectos sociais, ambientais e estruturais, explica.

Em 2011, uma empresa contratada pela Prefeitura de Natal elaborou o Plano Diretor de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais. À época, o estudo detectou 108 pontos críticos de alagamento, além de considerar que a cidade vivia “uma ameaça permanente de colapso do abastecimento de água, principalmente por falta de investimentos na ampliação do sistema de captação e tratamento”. O laudo apontava ainda que a situação iria se agravar com o “aumento da exploração, a redução da recarga e a contaminação do aquífero, num cenário crítico de impermeabilização do solo, poluição e assoreamento dos corpos d’água”.

Conforme apontado no “Manual de Drenagem”, a situação se deteriorou, afirma o engenheiro João Abner Guimarães, que participou do projeto. “O problema continua. Existem várias obras que estão em andamento e bastava que essas obras estivessem prontas para resolver grande parte desses problemas. O macrotúnel de Lagoa Nova, que eu fui um dos autores do projeto, resolveria muitos problemas ali de Cidade da Esperança, Lagoa Nova, Dix-Sept Rosado, Morro Branco, são todas regiões que ainda registram problemas”, detalha.

Bruno Vital | Tribuna do Norte