Segurança

Policiais acusados no Caso Gabriel irão a júri popular

Foto: Reprodução/ TN

Após quase 16 meses da morte e ocultação de cadáver de Gabriel Souza, 18 anos, a Justiça do Rio Grande do Norte definiu que os quatro policiais denunciados pela morte do estudante irão a Júri Popular. A data do julgamento ainda não está marcada. A mãe de Gabriel, a assistente de serviços gerais Priscila Souza, 35, cobra justiça pela morte do filho. “Espero justiça, para mostrar que nossa luta não foi em vão, que valeu a pena todo nosso esforço. É isso que eu quero”, diz a mãe à reportagem da Tribuna do Norte.

A determinação partiu do juiz Marcos José Sampaio de Freitas Júnior, da 1ª Vara Criminal de Parnamirim, e foi anunciada no último dia 1º de outubro. Os acusados seguem presos de forma preventiva no quartel da PM e a decisão também ratificou o decreto de prisão preventiva. A data do julgamento depende ainda da apreciação de recursos por parte da defesa, que garante que irá recorrer da decisão judicial. O prazo após intimação é de 5 dias.

“Não fomos intimados, mas adianto que pretendemos recorrer sim”, afirma o advogado Francisco Heriberto Rodrigues Barreto, que representa, ao lado de outros cinco advogados, os policiais militares denunciados. “Eles alegam a nós que são inocentes e contam que se encontravam em local certo e sábido. Acreditamos na inocência deles”, falou.

As audiências de instrução e depoimento de acusados e testemunhas começaram em fevereiro deste ano, mas chegaram a ser adiadas em pelo menos duas situações, uma delas em virtude do agravamento da pandemia de Covid-19 e por indicação de novas testemunhas por parte do Ministério Público e da defesa.

Um dos pontos recentes que dividiu os advogados foi um mandado de segurança junto ao Tribunal de Justiça para impugnar documentos apresentados pela defesa dos policiais, que seria uma perícia particular a respeito do vídeo da abordagem policial em que mostra o momento em que o jovem Gabriel se depara com os agentes. Os advogados da família, Hélio Miguel Santos e Daniel Pessoa, defendem que a prova é irregular.

“A defesa juntou essa opinião dizendo que o vídeo não estava bom, que não dava para ver a placa. Mas nitidamente a ampliação feita pela Polícia Civil dá para ver a placa. É algo extraprocessual, foi produzido sem nossa participação, sem que pudéssemos questionar. Impugnamos esse parecer porque não tivemos direito ao contraditório. Isso está pendente do juiz e do TJ analisar”, informou, acrescentando que a defesa entrou com um mandado de segurança para extrair a prova do processo.

A tese é refutada pelo advogado Francisco Heriberto Rodrigues Barreto. “Fizemos uma perícia no vídeo, que apontou que é impossível identificar qual viatura passou naquele dia, naquele momento, a partir daquelas imagens. Na verdade, quem disse que viu uma viatura foi uma testemunha. Não há como concluir que aquela viatura é a que eles indicam como a que esteve lá”, reforça.

“Um abraço que não vai vir”, diz mãe de Gabriel

Prestes a completar 36 anos na próxima quinta-feira (14), a ASG Priscila Souza diz que sua vida não é mais a mesma após a morte do filho e que sente saudades diárias do jovem estudante. “De presente de aniversário eu queria um abraço de Gabriel, que não vai vir mais”, chora. Ela cita que tem sido acompanhada por psicóloga desde a morte do filho.

Morando no bairro dos Guarapes, onde cresceu e viveu com Gabriel e sua outra filha, ela pede justiça para o caso, além de relembrar que o estudante não se envolvia “em coisas erradas” e tinha sonhos de seguir a carreira militar.

“Era um rapaz bom. Tinha cursos de informática, pré-militar, administração, tenho os certificados. Não merecia isso. Gabriel não gostava de festas, de estar em esquina. Era um rapaz tranquilo, só queria crescer, estudar, fazer cursos”, lembra a mãe, segurando fotos do filho e dizendo que, no último dia 19 de setembro, Gabriel teria feito 20 anos.

A família lembra ainda que o bairro “abraçou” a causa em prol de Gabriel, promovendo uma série de atos clamando por justiça e para lembrar a história do jovem. Na praça principal do bairro, há uma frase pintada em 2020 com os dizeres “Gabriel Presente”. Na época do sumiço de Gabriel, a comunidade organizou uma série de protestos, ações e buscas coletivas.

O caso

Giovani Gabriel de Souza Gomes desapareceu no dia 5 de junho de 2020. Seu corpo só foi encontrado no dia 14. Ele saiu nas primeiras horas da manhã do bairro em que morava, Guarapes, em direção à casa da namorada, em Parnamirim. O namoro, segundo familiares, não tinha aprovação dos pais da jovem, o que fez com que Gabriel guardasse sua bicicleta num terreno próximo à casa, para evitar que o pai tomasse conhecimento de sua visita.

Quando saía do matagal do terreno onde havia deixado a bicicleta, Gabriel foi surpreendido pela viatura onde estavam Bertoni Vieira Alves, Valdemi Almeida de Andrade e Anderson Adjan Barbosa de Sousa, que levaram o rapaz.

Segundo a denúncia do Ministério Público, repercutida pela TRIBUNA DO NORTE na edição do dia 23 de janeiro de 2021, os policiais militares lotados no Batalhão da PM de Goianinha, estavam longe de sua área de patrulhamento atribuída. Segundo a denúncia, naquele dia, Paulinelle Sidney Campos Silva informou que sua cunhada havia sido vítima de um assalto na manhã do sumiço de Gabriel e que seu veículo, um Hyundai i30, foi roubado pelos assaltantes.

O assalto aconteceu por volta das 6h40 e, às 7h15, Paullinelle telefonou para os colegas a fim de iniciar a busca pelos assaltantes, ignorando os procedimentos previstos dentro da Corporação e sua área definida de patrulhamento. Às 7h49, o PM foi informado pelo irmão, Platinny Willer Campos Silva, que o carro de Nicole havia sido encontrado em uma área próxima ao loteamento onde vivia a namorada de Giovani Gabriel.

Mesmo depois de achar o veículo, os policiais seguiram na busca pelos responsáveis pelo crime, e foi próximo ao local onde o carro havia sido abandonado que se depararam com Giovani Gabriel, que acabava de guardar sua bicicleta. Foi neste momento que os policiais colocaram Gabriel dentro da viatura e, em seguida, o levaram até a zona rural de São José do Mipibu. Graças à quebra do sigilo telefônico, é possível constatar que Paullinelle, que não estava na mesma viatura dos três colegas, recebeu ligações e foi informado sobre o sequestro e, posteriormente, sobre a iminente execução de Giovani Gabriel. Após efetuarem dois tiros na nuca do estudante e largarem seu corpo no matagal, os PMs retornaram à sede do 8º Batalhão, onde permaneceram ao longo do dia, dando prosseguimento normal às suas atividades.

O corpo de Gabriel só veio a ser encontrado no dia 14 de junho, nove dias depois, numa área rural em São José de Mipibu, já em estado avançado de decomposição.

Tribuna do Norte