Uma nova tecnologia extraída do resíduo do processamento das folhas do sisal acaba de ser patenteada definitivamente por cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). As composições cosméticas tem ação antioxidante, tendo como atividade principal a prevenção dos sinais do envelhecimento da pele. Doutoranda na UFRN, Stella Maria Andrade Gomes Barreto explica que o efeito conseguido é alcançado pois a composição é enriquecida em polissacarídeos e obtida a partir do resíduo de Agave sisalana, a planta do sisal.
Esses polissacarídeos podem ser constituídos por açúcares como a Galactose, presente no leite e em algumas frutas e verduras e os resíduos enriquecidos por eles ativam o benefício atribuído à invenção. Os polissacarídeos são moléculas presentes nas plantas, constituídos de açucares livres, que desempenham comprovada atividade na manutenção do conteúdo de água na pele (hidratante), ou atuando contra radicais livres (antioxidante), prevenindo os sinais do envelhecimento cutâneo, benefícios atribuídos à invenção.
Ela ressalta que diferente do que se imagina, a incorporação de frações em formulações não é uma atividade simples, no entanto, a formulação desenvolvida não apresentou modificações ao longo do tempo. “Essa nova tecnologia é útil para a indústria cosmética, farmacêutica e veterinária, em segmentos que produzam produtos para aplicação tópica em humanos e animais. O uso dessa matéria-prima para esse fim é também uma ferramenta para diminuir o impacto ambiental que o resíduo do sisal pode provocar e melhorar as condições socioeconômicas das regiões produtoras do sisal”, pontua Stella Barreto.
O sisal é uma planta com origem no México, mas que se adaptou muito bem ao clima semiárido da Caatinga nordestina. Ela possui a fibra vegetal mais dura de que se tem conhecimento, que é usada na produção de cordas e fios biodegradáveis, além de tapetes, artesanatos e vários outros produtos. Segundo a Embrapa, o Brasil é o maior produto mundial de sisal, com destaque especial para a Região Nordeste, onde estima-se que um milhão de agricultores familiares cultivem a espécie em suas propriedades.
A colheita é realizada manualmente e o transporte acontece usualmente com a ajuda de animais. Por meio do processo de desfibramento das folhas de Agave sisalana obtém-se uma fibra dura utilizada, principalmente, na produção de fios, cordas e artesanatos, além de serem utilizadas na agricultura. No entanto, apenas quatro a cinco por cento de todo o material é usado, o que gera um resíduo superior a 90% dentro do processo. A “sobra” é formada do bagaço, o resíduo sólido, e o suco do sisal, que normalmente são descartados nos locais de beneficiamento sem que haja tratamento prévio.
Esse resíduo tem componentes que possuem atividades importantes para a indústria cosmética, como hidratante, antioxidante e surfactante. “A obtenção da fração enriquecida em polissacarídeos dessa tecnologia é obtida a partir da prensagem do resíduo das folhas após o desfibramento, sendo a porção líquida submetida a um processo de extração, seguida de filtração, remoção do solvente em baixa pressão e, posteriormente, submetida ao processo de secagem. As composições cosméticas, para atender ao que precisávamos, contêm a fração enriquecida em polissacarídeos, na forma de pó seco, em concentrações que variam de 0,01% a 10% em peso”, explica Márcio Ferrari, coordenador do grupo que desenvolveu a pesquisa.
Em vídeo (https://www.instagram.com/p/Ciu7bEdLShq/), ambos explicam alguns dos aspectos da invenção.
A concessão da patente pelo instituto nacional da propriedade industrial (INPI) recebeu o nome “composição cosmética com fração enriquecida em polissacarídeos obtida a partir do resíduo de Agave sisalana”, aconteceu nesta terça-feira, 20, e é fruto de um estudo que envolve ainda os pesquisadores Raquel Brandt Giordani, Hugo Alexandre de Oliveira Rocha, Elissa Arantes Ostrosky e Claudia Cecílio Daher. Em 2017, a primeira parte da pesquisa desenvolvida a partir do resíduo do sisal rendeu prêmio no XXIII Congresso Latino-americano e Ibérico de Químicos Cosmético, dado ao melhor trabalho desenvolvido com matérias-primas de origem latino-americana e pela primeira vez conquista por uma equipe de universidade brasileira. Em 2020, com a continuidade da pesquisa, o trabalho conquistou mais um prêmio: melhor trabalho científico apresentado no 32 Congresso Brasileiro de Cosmetologia, promovido pela Associação Brasileira de Cosmetologia.
“Em 2017, na época em que depositamos, não havia relatos do uso da fração enriquecida em polissacarídeos obtida do resíduo das folhas de Agave sisalana na produção de produtos cosméticos com atividade antioxidante para prevenção dos sinais do envelhecimento cutâneo. Nós conseguimos demonstrar a segurança e eficácia do procedimento”, acrescenta Ferrari. Para avaliação da atividade antioxidante in vitro, a tecnologia foi submetida a diferentes métodos, contemplando vários mecanismos de ação antioxidante. Já pelos testes de segurança in vivo, dentre eles o de irritabilidade cutânea, comprovou-se que é seguro para ser usado em humanos. Os estudos in vivo se referem aos realizados com organismos vivos, enquanto in vitro diz respeito aos feitos fora de um organismo vivo, como por exemplo em um tubo de ensaio.
Stella Barreto pontua que, preferencialmente, as formulações propostas na invenção são preparadas por meio de técnicas de alta energia, como a ultrassonicação. A cientista esclarece que, dentre outros destaques, a tecnologia patenteada “é capaz de gerar composições cosméticas estáveis contendo ativo de origem natural com eficácia antioxidante, comprovada, para uso tópico em produtos para prevenção do envelhecimento cutâneo”.
Patenteamento
O paulista Márcio Ferrari, radicado em solo potiguar há mais de treze anos, é figura carimbada quando se fala em desenvolver tecnologias inovadoras, passíveis de patenteamento. Não à toa, é do seu grupo de pesquisa a primeira concessão do Departamento de Farmácia da UFRN, no ano de 2020 (https://ufrn.br/imprensa/materias-especiais/42286/nova-formulacao-cosmetica). Inclusive, no último mês de março, os pesquisadores já haviam recebido outra concessão (https://www.ufrn.br/imprensa/reportagens-e-saberes/56493/retardar-o-envelhecimento-precoce-quem-nunca).
A concessão da patente é um ato administrativo declarativo, ao se reconhecer o direito do titular, sendo necessário o requerimento da patente e o seu trâmite junto à administração pública. Também chamada de “carta patente”, é um documento concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) após análise sobre, dentre outros aspectos, os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. A carta confere a seu titular a exclusividade de uso, comercialização, produção e importação de determinada tecnologia no Brasil.
“Proteger as tecnologias fruto de nossos estudos é importante pois você pode levar benefícios para sociedade, vislumbrar possibilidades de negócios e lucratividades para a Universidade e pesquisadores envolvidos e para o setor produtivo. No caso dessa patentes especificamente, a transferência ou licenciamento dessa tecnológica para um empresa de produtos cosméticos, aumentará a procura do resíduo pelas empresas que produzirão a matéria-prima e consequentemente as famílias envolvidas na cultura e manejo do sisal serão também beneficiadas como uma das partes da cadeia produtiva do sisal”, realça Ferrari.
Chegando agora a 55 cartas-patente concedidas, a UFRN mantém seu protagonismo na inovação, estando a universidade líder no Norte-Nordeste neste quesito, à frente de instituições com Índice Geral de Cursos similar ao seu, como Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal da Bahia.
Agora RN