Assédio: quase metade das mulheres diz já ter sofrido
Quase metade das mulheres sofreu algum tipo de assédio sexual em 2022 no Brasil. A informação é do Instituto Datafolha, divulgado no início desse mês de março para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em números percentuais, cerca de 46,7% das brasileiras relataram ter sido assediadas em algum cenário. O índice é o maior desde 2017, início da pesquisa, e aumenta em nove pontos percentuais a quantidade de casos. Os números se traduzem em casos que têm sido denunciados com maior freqüência. Um dos cenários mais recorrentes reportado é o transporte público.
Ainda segundo levantamento do Datafolha, 12,8% das mulheres relataram ter sido assediadas fisicamente em ônibus, metrôs e afins. O número apresenta ligeiro aumento em comparação a 2021, quando esse cenário foi apresentado por 7,9% das mulheres.
Em Natal por exemplo, o último caso de importunação dentro de ônibus denunciado publicamente foi na linha 77, no bairro Nordeste, Zona Oeste da capital potiguar. Segundo a Polícia Militar, uma equipe do Esquadrão Águia, ligado ao Comando De Polícia Rodoviária Estadual (CPRE) estava em ronda quando percebeu que o motorista do ônibus jogava luz para a viatura. Após a parada, os passageiros avisaram que um homem estava importunando sexualmente uma mulher. Nesse caso, o suspeito foi preso em flagrante.
Conversando com mulheres numa das avenidas mais movimentadas de Natal, a Rio Branco, na Cidade Alta, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE constatou, entre depoimentos, a revolta, falas de coragem, mas principalmente relatos de medo. Inclusive, o assédio é percebido não apenas no contato físico. “A gente se sente acuada, constrangida, porque é muito chato. Tem homem que, realmente, é muito nojento. As vezes eles não encostam, mas ficam olhando e isso é muito constrangedor”, relata a supervisora de vendas, Maria Luciana, 31.
Ela conta que já viveu situações que a deixaram constrangida e assustada. “Já aconteceu de eu estar no ônibus e o cara ficar encostando atrás de mim. Eu me irritei nesse dia, me afastei dele, olhei feio”, relata.
Luciana explica que que usa estratégias para tentar inibir o avanço de potenciais assediadores. Evitar sentar no fundo dos ônibus é uma dessas. Ela também prefere ficar próximo a outras mulheres. Mesmo assim, diz que as situações não cessam. “Já houve vezes em que eu estava sentada e o cara ficou encostando no meu braço de propósito, naquele ‘sem querer querendo’”, detalha.
Ao contrário dela, a vendedora externa, Gabriela Pinheiro, 26, não sofreu importunação, mas viu acontecer com outra mulher. “Eu vejo bastante, constantemente. Ontem mesmo eu vi um rapaz que estava se aproveitando do ônibus lotado para estar ali encostando na mulher. Nem toda mulher tem essa atitude de confrontar, fica lá acuada e o cara fica se aproveitando”, revela.
Para ela, é uma situação revoltante que precisa ser confrontada. “Se for comigo, eu vou ser mesmo agressiva, porque não vou permitir. Me sinto acuada mas eu tenho que confrontar de alguma forma, mostrar que estou incomodada”, afirma.
A atitude de Gabriela reflete outro dado importante quando se trata de importunação: o aumento no número de denúncias. Isso significa dizer que mais mulheres têm tomado a iniciativa de falar e buscar providência sobre os assédios, importunações e violências sofridas.
Mulheres estão denunciando mais
Em janeiro deste ano o número de denúncias e importunação sexual no Brasil aumentou 158%, em comparação com o ano passado, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça.
Para a advogada, professora do Curso de Direito da UFRN e consultora em eqüidade de gênero e diversidade, Mariana de Siqueira, apesar das mulheres estarem denunciando mais seus agressores, a subnotificação, isto é, a quantidade de casos que não são denunciados, ainda tem se mostrado presente. “É possível dizer que tanto as mulheres tem se encorajado mais a denunciar, a despeito de ainda haver muita subnotificação, como também da maior incidência da prática”, analisa.
Os casos ainda se fazem crescentes, como mostrado na recente pesquisa do Instituto Datafolha e é possível se traçar o perfil de vítima. Mulheres, negras, jovens e de baixa renda são as mais atacadas, segundo a professora Mariana de Siqueira, que chega a essa conclusão baseada nos dados do Atlas da Violência. Já os agressores são majoritariamente homens e héteros.
É preciso, contudo, entender as diferenças entre importunação e assédio. Ainda segundo a advogada, uma situação de assédio acontece quando há hierarquia entre as relações. Os cenários mais comuns são o trabalho e a escola. “O agressor tem uma posição de hierarquia com relação a vítima”, acrescenta.
Já em casos de importunação, não existe essa hierarquia e é praticada, muitas vezes, na rua, shoppings, banheiros ou transporte público, por um desconhecido da vítima. Atualmente, no código penal, existe diferença entre os casos, portanto, com diferenças quanto às penalidades também.
A Tribuna do Norte solicitou o levantamento de dados de importunação e assédio sexual relatados em janeiro e fevereiro deste ano, bem como do ano passado, na intenção de apresentar números locais, mas a Polícia Civil do Estado não respondeu à solicitação.
Tribuna do Norte