Polêmica: Bolsonaro esteve, em média, em uma aglomeração por dia durante a pandemia
Ao longo de dois meses durante a pandemia causada pelo novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ignorou recomendações de seu próprio Ministério da Saúde e das principais autoridades em Saúde do mundo e provocou aglomerações em mais de 60 aparições públicas.
Um levantamento feito pelo UOL mostra que Bolsonaro esteve, em média, em uma aglomeração por dia em sua rotina, em Brasília ou em passeios por outras cidades. A lista analisa o período entre os dias 13 de março — dia em que o Ministério da Saúde passou a recomendar que aglomerações fossem evitadas — e 13 de maio, e considera duas situações específicas: contato direto com apoiadores e aparições públicas ao lado de vários ministros e/ou funcionários.
Reuniões a portas fechadas não entram na conta, nem as vezes em que Bolsonaro apoiou uma manifestação, mas não participou dela. Há cerca de dois meses, o Ministério da Saúde divulgou um texto com uma série de dicas à população para evitar aglomerações, inclusive “em supermercados e farmácias”.
Desde então, Bolsonaro provocou a concentração de pessoas nos dois tipos de estabelecimentos usados como exemplo. Durante a pandemia, o presidente, por exemplo, participou de ato em que seus apoiadores atacavam o STF (Supremo Tribunal Federal) em 15 de março; passeou pelas ruas e por supermercados em 29 de março; comeu pão doce em uma padaria em 9 de abril, e distribuiu abraços a apoiadores em 2 de maio.
Tal comportamento recebe críticas de especialistas que estão na linha de frente do combate à pandemia.”Se ele [Bolsonaro] fizesse isso a portas fechadas, seria uma coisa. Mas a questão é o exemplo, que é contrário a tudo o que está sendo proposto. Isso tem um impacto imenso no não cumprimento das medidas de isolamento”, comenta o epidemiologista Paulo Lotufo, diretor do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP (Universidade de São Paulo). “O dano que ele está causando é imenso, é total, porque se cria uma dualidade na cabeça de quem está vendo”, continua Lotufo, que atua na linha de frente do combate à pandemia.
“De um lado, nós estamos fazendo um esforço tremendo, e de outro se põe tudo a perder. O Hospital das Clínicas [de SP] tem mais de 200 pessoas intubadas, é um número absurdo, impensável, e poderia ser menos gente. Estamos em uma situação terrível”, lamenta.
“Cercadinho” tem aglomeração quase todo dia
De ao menos 62 aglomerações causadas por Jair Bolsonaro no período citado, 39 ocorreram no chamado “cercadinho” do Palácio da Alvorada — ou seja, 64% do total. É ali, no lado de fora da residência oficial, que os apoiadores do presidente o esperam para conversar e tirar fotos.
O levantamento do UOL mostra que, no “cercadinho”, Bolsonaro já cumprimentou, conversou, fez orações e interagiu com idosos, tudo sem qualquer proteção contra o coronavírus. Em um contexto de pandemia, a atitude põe em risco de contaminação não apenas ele próprio, mas também quem aparece para vê-lo.
Aglomerações aumentaram após a saída de Mandetta
A média de aglomerações por dia aumentou desde que Luiz Henrique Mandetta deixou o comando do Ministério da Saúde. A gota d’água de sua saída foi, justamente, uma entrevista em que cobrava “fala unificada e fim da dubiedade” entre as orientações da pasta e as do presidente. Foram 27 ocasiões em 34 dias com Mandetta no cargo (média de 0,79 ao dia) e outras 35 aglomerações em 27 dias com Nelson Teich (1,3 ao dia).
Anteontem foi a vez de Nelson Teich deixar o governo, abreviando uma gestão que vinha entrando em rota de colisão com Bolsonaro — uma das discordâncias era justamente sobre o isolamento social.