Inflação dos alimentos deve ser menor em 2023, mas ainda desconfortável
A inflação de alimentos e bebidas tende a subir menos em 2023 do que neste ano, mas deve mostrar um patamar de preços ainda alto e desconfortável para o bolso dos brasileiros, avaliam economistas. A comida cara representa um desafio para o combate à fome no país, uma promessa do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Se a inflação permanece elevada, diminui o alcance de qualquer medida assistencial promovida pelo governo”, afirma o economista André Braz, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Desde o início da pandemia (de fevereiro de 2020 a novembro de 2022), o grupo alimentação e bebidas acumulou alta de 36,06% no Brasil, conforme dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Só no acumulado de 2022, o grupo alimentação e bebidas avançou 10,91% até novembro, ante 5,13% do índice geral. Em 12 meses até novembro, a alta do segmento foi de 11,84%, contra 5,90% do IPCA.
Para o acumulado de 2023, economistas projetam um avanço de alimentação e bebidas mais próximo do índice geral de preços, cujas estimativas estão na faixa de 5% a 6%.
“A inflação dos alimentos deve ceder, mas lentamente”, prevê Braz. “Deve ser algo em torno de 5% até o final do ano [2023].”
A carestia da comida afeta principalmente a população pobre. Em termos proporcionais, esse grupo destina uma parcela maior do orçamento para a aquisição de produtos básicos.
“Mesmo com a possível desaceleração, a sensação continuará desconfortável [em 2023]”, avalia o economista Fábio Astrauskas, da Siegen Consultoria.
Ele prevê uma inflação de alimentação e bebidas entre 4% e 6% no acumulado do próximo ano, caso não haja grandes problemas climáticos e as projeções positivas para a safra se confirmem.
Na primeira metade de 2022, fortes chuvas reduziram a oferta de frutas, verduras e legumes em regiões como o Sudeste. Houve repasses para os preços. A estiagem que atingiu o Sul também pressionou os alimentos.
Não bastassem os extremos climáticos neste ano, a guerra na Ucrânia elevou as cotações de commodities agrícolas, como milho e trigo, no mercado internacional.
O quadro gerou reflexos no Brasil, já que essas mercadorias servem de base para a fabricação de alimentos.
As pressões de 2022 vieram após a pandemia já ter jogado para cima os custos produtivos no campo. Fertilizantes, por exemplo, ficaram mais caros na crise sanitária.
Em 2023, a provável desaceleração da economia global tende a conter a demanda por commodities e frear os preços, projetam analistas.
Segundo eles, isso deve gerar alguma trégua para a inflação da comida no próximo ano, assim como as boas condições de colheita previstas para o Brasil.
A safra de grãos, cereais e leguminosas de 2023 tende a alcançar 293,6 milhões de toneladas no país, novo recorde de uma série histórica iniciada em 1975, apontou estimativa divulgada neste mês pelo IBGE. O número representaria uma alta de 11,8% em relação a 2022.
“Tudo indica que vamos ter uma produção muito boa em 2023. Tem riscos [para a inflação]? Tem. A guerra continua. Rússia e Ucrânia são grandes produtoras”, afirma o economista Felipe Kotinda, do banco Santander.
Em sua avaliação, que a redução da área plantada de arroz e feijão é um fator de pressão para os preços desses produtos, que vêm perdendo espaço para itens mais voltados ao mercado internacional, como soja e milho. “Preocupa porque está havendo a troca da área plantada.”
Mesmo assim, a inflação dos alimentos para consumo no domicílio deve desacelerar para perto de 4% até o final de 2023, prevê Kotinda. A alta acumulada em 12 meses até novembro de 2022 foi de 13,32%, conforme o IBGE.
As carnes, diz o economista, estão entre os itens que podem ter um alívio mais forte nos preços, em um cenário de trégua dos grãos usados na alimentação animal. “É um cenário mais benigno do que nos últimos anos”, afirma.
O economista Jackson Bittencourt, coordenador do curso de ciências econômicas da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), ainda projeta um avanço na faixa de 8% a 9% para a inflação de alimentação e bebidas no próximo ano. Ele considera “muito difícil” uma variação inferior a esse nível.
“O cenário ainda é de inflação alta. A taxa de desemprego segue pressionada, muita gente está na informalidade. Com preços altos e renda menor, há empobrecimento de parte da população”, afirma.
A carestia, acrescenta o professor, tende a dificultar o combate à fome no ano inicial do novo governo Lula.
“É um grande desafio combater a fome com os preços subindo. Vamos precisar de uma política especial para essa questão”, diz.
“Não sei se vão ser criadas medidas de incentivo, como redução de impostos, empréstimos mais baixos para o agricultor. Mas isso tem um custo, e o governo vai assumir com restrições nas contas públicas”, diz.
Cesta básica supera auxílio Na área social, Lula aposta na manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600, com adicional de R$ 150 por criança de até seis anos. O programa social voltará a ser chamado de Bolsa Família.
Em novembro, o preço médio da cesta básica aumentou em 12 das 17 capitais pesquisadas pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
O valor ficou abaixo de R$ 600, o patamar atual do Auxílio Brasil, em apenas cinco cidades. Todas ficam no Nordeste: Aracaju (R$ 511,97), Salvador (R$ 550,67), Recife (R$ 551,30), João Pessoa (R$ 552,43) e Natal (R$ 566,95).
Para frear a carestia, parte dos analistas defende a recomposição pelo governo federal dos estoques reguladores de alimentos, que foram reduzidos nos últimos anos. Essa política visa aumentar a oferta de produtos em períodos de alta dos preços.
“Os estoques são uma política importante de estabilização do fornecimento […]. Trariam mais regularidade, mas é preciso investir em armazenagem, silos, transporte”, diz Astrauskas, da Siegen Consultoria.
Braz, do FGV Ibre, diz que a formação de estoques “não faz milagres e só diminui a volatilidade” dos preços. “Eles são bem-vindos? São muito bem-vindos. Mas não fazem milagre se os preços dos insumos subirem muito.”
Bittencourt, da PUCPR, considera que a medida não é a mais adequada. Segundo ele, a formação de estoques pode desestimular a produção de determinados produtos. “Há políticas de médio ou longo prazo [que podem ser adotadas], mas no curto prazo não tem muita mágica.”
Agora RN